Pois saibam que este ano é um tempo propício para conhecermos ou relembrarmos:
Que há 40 anos o padre Henrique Pereira Neto foi assassinado pela ditadura, no Recife; que frei Tito de Alencar Lima, faleceu na França em conseqüência das torturas sofridas no Brasil; que o padre Francisco Jentel morreu, vítima da Segurança Nacional.
Completam-se também 30 anos dos assassinatos de Santo Dias da Silva, mártir operário, pela PM de São Paulo; Ângelo Pereira Xavier, cacique, em defesa da terra de seu povo Pankararé; Eloy Ferreira da Silva, líder sindical de Minas.
E 20 anos dos assassinatos de Valdicio Barbosa dos Santos, sindicalista capixaba, e do padre Gabriel Maire, missionário francês, em Vitória.
É hora também de celebrar a memória de dom Helder Camara, profeta de justiça e da paz, falecido há 10 anos
Padre Antônio Henrique Pereira Neto (1940-1969)
Assassinado em Recife, em maio de 1969, padre Henrique era coordenador de Pastoral da Arquidiocese de Olinda e Recife, professor e especialista em problemas da juventude. Auxiliar direto do arcebispo Dom Hélder Câmara, foram ambos autores de reiteradas e contundentes denúncias sobre os métodos de repressão utilizados pelo governo militar. Recebia constantes ameaças de morte por parte do chamado CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Foi seqüestrado em 26/05/1969, sendo seu corpo encontrado no dia seguinte, em um matagal da Cidade Universitária de Recife, pendurado de cabeça para baixo numa árvore, com marcas evidentes de tortura: hematomas, queimaduras de cigarro, cortes profundos por todo o corpo, castração e dois ferimentos produzidos por arma de fogo. O inquérito de sua morte foi arquivado e nenhum dos acusados foi condenado, apesar dos testemunhos e das provas irrefutáveis.
FREI TITO (1945-1974)
No dia 04 de novembro de 1969, foi preso juntamente com outros dominicanos pelo delegado Sérgio Fleury, do Dops. Durante cerca de trinta dias, sofreu torturas nas dependências deste órgão, de onde foi levado para o Presídio Tiradentes.
Preso em novembro de 1969, em São Paulo, acusado de oferecer infra-estrutura a Carlos Marighella, Tito é submetido à palmatória e choques elétricos, no DEOPS, em companhia de seus confrades.
Em fevereiro do ano seguinte, quando já se encontra em mãos da Justiça Militar, é retirado do Presídio Tiradentes e levado para a Operação Bandeirantes, mais tarde conhecida como DOI-CODI, na rua Tutóia. Durante três dias, batem sua cabeça na parede, queimam sua pele com brasa de cigarros e dão-lhe choques por todo o corpo, em especial na boca, "para receber a hóstia", gritam os algozes.
Querem que Tito denuncie quem o ajudou a conseguir o sítio de Ibiúna para o congresso da UNE, em 1968, e assine depoimento atestando que dominicanos participaram de assaltos a bancos. No limite de sua resistência, Tito corta, com a gilete que lhe emprestam para fazer a barba, a artéria interna do cotovelo esquerdo. É socorrido a tempo no hospital militar, no Cambuci.
As incessantes torturas não abrem a boca do frade dominicano de 28 anos, mas lhe cindem a alma. Cumpre-se a profecia do capitão Albernaz, da Oban: Se não falar, será quebrado por dentro, pois sabemos fazer as coisas sem deixar marcas visíveis. Se sobreviver, jamais esquecerá o preço de seu silêncio.Em dezembro de 1970, incluído na lista de presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, seqüestrado pela VPR de Lamarca, Tito é banido do Brasil pelo governo Médici.
De Santiago do Chile ruma para Paris, sem jamais recuperar sua harmonia interior. Nas ruas da capital francesa, ele "vê" o espectro de seus torturadores. Transferido para L'Arbresle, próximo a Lyon, em seu estreito quarto no convento construído por Le Corbusier, Tito estremece aos gritos do pai espancado no DOPS, geme aos berros da mãe dependurada no pau-de-arara, arrepia-se de pavor aos espasmos de seus irmãos eletrocutados, contorce-se em calafrios sob o fantasma do delegado Fleury. Sua mente naufraga em delírios.
Tito não recupera, no exílio, a paz que lhe fora seqüestrada. No dia 10 de agosto de 1974, um estranho silêncio paira sob o céu azul do verão francês, envolvendo folhas, ventos, flores e pássaros. Nada se move. Entre o céu e a terra, sob a copa de um álamo, balança o corpo de Frei Tito, dependurado numa corda.
O suicídio foi o seu gesto de protesto e de reencontro, do outro lado da vida, da unidade perdida. Deixara registrado nas páginas de sua Bíblia que "é melhor morrer do que perder a vida".
Em 25 de março de 1983, o corpo de Frei Tito chegou ao Brasil. Antes de chegar a Fortaleza, passou por São Paulo, onde foi realizada uma celebração litúrgica em memória dos mortos pela ditadura de 1964: o próprio Frei Tito e Alexandre Vannucchi. Cercado por bispos e numeroso grupo de sacerdotes, Dom Paulo Evaristo Arns repudiou a tragédia da tortura em missa de corpo presente acompanhada por mais de quatro mil pessoas. A missa foi celebrada em trajes vermelhos, trajes usados em celebrações de Mártires.
DOM HELDER CÂMARA (1909-1999)
O homem que marcou os rumos da Igreja no Brasil.
"O amor é o perfume das almas."
"Só as grandes humilhações nos levam ao recesso último de nós mesmos, lá onde as fontes interiores nos banham de luz, de alegria e de paz."
"Se eu dou comida a um pobre, me chamam de santo, mas se eu pergunto por que ele é pobre, me chamam de comunista."
"Nós não queremos a paz dos pântanos, a paz enganadora que esconde injustiças e podridão"
"Basta que um botão erre de casa para que o desencontro seja total."
"Um sonho sonhado sozinho é apenas um sonho. Um sonho sonhado juntos é o princípio de uma nova realidade."