Dom Paulo Francisco Machado
Um dos mais belos frutos do Vaticano II com a Constituição Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia, foi incrementar ainda mais no fiéis o amor à Palavra de Deus. A cada dia mais se venera a Sagrada Escritura como lugar de especial encontro com Jesus, pois “o desconhecimento das Escrituras é desconhecimento de Cristo”, dizia São Jerônimo.
A Sagrada Liturgia procura nos instruir, chamando a nossa atenção para fazer da Bíblia o nosso grande livro de espiritualidade, promovendo aquele encontro pessoal com o Senhor, para Dele nos tornarmos discípulos e nos lançarmos, com maior ânimo, na missão a todos nós confiada: “Ide, pelo mundo inteiro...”
Alguns ritos da Liturgia nos ensinam a amar a Palavra de Deus. Na procissão de entrada, o diácono porta respeitosamente e, à vista de toda a assembléia, o Evangeliário. Ele o carrega fechado e como um ostensório. Assim nos esclarece que somos chamados a venerar a Palavra de Deus, como veneramos e amamos o Corpo Eucarístico do Senhor. O Grande Livro dos atos e palavras de Cristo é depositado fechado no altar.
Nas nossas celebrações, mesmo nas mais simples capelas, não é raro assistir, antes do início da primeira leitura, a procissão de entrada do Lecionário. Comumente, ao menos é essa a minha experiência, o livro vem aberto. Aqui, cabe-me chamar a atenção para um ponto. Ás vezes, a equipe de liturgia é tão criativa na apresentação do Lecionário ou da Sagrada Escritura, que acaba por distrair os fiéis com espetáculos de danças, músicas, e até mesmo, verdadeiros shows pirotécnicos. Penso que não é nada oportuna essa apresentação teatral “apoteótica”, pois se torna obstáculo para o cristão preparar no fundo do coração aquela terra apta para acolher a boa semente da Palavra.
De forma bem clara a Liturgia vai nos ensinando com que respeito e veneração os cristãos cercam os seus livros sagrados: entre luzes ela é conduzida até o ambão, é incensada, tem sua página traçada com o sinal da cruz, é beijada, adornada com uma bela capa. Por isso é lastimável que a proclamação da Palavra seja feita a partir de um jornal ou de uma folha. Nas missas mais solenes, após a proclamação do evangelho, o bispo abençoa o povo com o Evangeliário (IGMR 175). O Lecionário é honrando na Liturgia como o próprio Corpo do Senhor (DV, 21; cf IGMR,29).
A partir desta pista, creio que já podemos oferecer uma reflexão sobre a forma de se conduzir o Lecionário – deveria ser esse e não a Bíblia - nas Celebrações Litúrgicas: o Grande Livro deveria estar fechado.
Eis um argumento tomado do Evangelho segundo Lucas (Lc 4,17.20). Os gestos de Jesus nos mostram com que carinho e veneração era tratado o Livro Sagrado. Aí fala-se em “desenrolar o livro”, portanto o Livro do profeta Isaías estava fechado, e no mesmo estado permanecerá após a sua leitura na sinagoga de Nazaré. Penso que esse não é um gesto meramente funcional de quem deseja preservar o livro, mas demonstração de sua dignidade.
No livro do Apocalipse, que, segundo alguns exegetas, é portador dos ecos da liturgia cristã primitiva, encontramos o seguinte texto: “Eu vi também, na mão direita do que estava assentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos ... Então um dos Anciãos me falou: Não chores! O Leão da tribo de Judá, o descendente de Davi achou meio de abrir o livro e os sete selos” (Ap 5,1.5).
O que mais me incomoda é ouvir o inoportuno comentarista mencionando o nome do leitor(a). A assembléia não se reúne para ouvir fulano ou sicrano, mas quer que seja proclamada a “Palavra do Senhor”. No espírito de fé, temos aquela mesma disposição interior de quem um dia disse: “A quem iremos, Senhor, só tens palavra de vida eterna”.
O que jamais podemos esquecer e a Santa Liturgia de muitos modos vem nos recordar é que: “A Palavra se fez carne e veio morar entre nós”.