sexta-feira, 22 de abril de 2011

Sexta-feira Santa



Hoje, sexta-feira Santa, não celebra a Igreja a Eucaristia, celebra uma ação litúrgica na tarde deste dia, mostrando em seu ponto culminante O Crucificado, para que o povo Cristão O possa adorar. Na primeira parte desta Liturgia, lêem-se textos do Antigo e do Novo Testamento. A primeira Leitura, tirada de um famoso hino de um servidor misterioso, diz-nos o seguinte: “maltratado, Ele não abria a boca. Entregava-Se ao juízo de Deus. Todos nós errávamos e seguia cada qual o seu caminho desorientado. Mas Ele tomou sobre Si todos os nossos pecados e intercedeu pelos pecadores.”

Nesta sexta-feira Santa, seja-nos permitido contemplar demoradamente O Crucificado. É possível que nós façamos algo mais, mas esta meditação seria insuprimível. Ninguém derramou sangue por nós, ninguém nos amou a ponto de dar a vida por nós, nem mesmo nossos pais nos deram a vida. Jesus Cristo não apenas a deu dois mil anos atrás, mas continua a dá-la, diariamente, menos hoje, na celebração do mistério Eucarístico. Através da Vida de Cristo, através das Suas feridas, através da Sua morte dolorosíssima, nós nos tornamos capazes de Deus, nós nos tornamos filhos de Deus, nós nos tornamos capazes de Vida Eterna. Estávamos relegados à condenação, jamais haveria para nós um futuro a que damos o nome de Vida Eterna, se Ele não tivesse carregado meus pecados, seus pecados, e os tivesse expiado num ato de amor, obediência e entrega total nas mãos de Deus.

Deus quis que o preço de nosso resgate para Ele e para a Vida Eterna fosse O Sangue de Jesus, derramado na cruz. Eu não entendo uma multidão de católicos que, nestes dias, procura apenas distração com feriados prolongados, abandonando as suas casas às pressas para encontrar lazer e divertimento em outros lugares. Alguns, aliás, fugindo da morte de Jesus, encontrarão a própria morte, lamentavelmente, nos incidentes estradais que acontecem nesses feriados prolongados. Tivesse permanecido com Cristo, estaria ainda em vida. Eu convido a todos os Católicos, a que neste dia busquem, no silêncio, a contemplação amorosa de Jesus Crucificado. Ele me amou e Ele Se entregou por mim.

Padre Fernando José Carneiro Cardoso
*Licenciado em Filosofia e Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
*Mestre in re biblica pelo PIB

Judas continua Judas


Judas Iscariotes era um apóstolo de Jesus, portanto, alguém de sua intimidade. Mas segundo São João "era ladrão; tirava dinheiro da bolsa comum"(12,5). Denunciou às autoridades, ao preço de trinta moedas de prata, onde Jesus estava escondido e com um beijo em sua face o identificou para os soldados e assim o traiu. Depois, arrependido, quis devolver o dinheiro o que não foi aceito. Desesperado, enforcou-se, segundo São Mateus (27,3-5). Segundo a fala de São Pedro nos Atos dos Apóstolos, sofreu um acidente, "arrebentou-se ao meio derramando todas as vísseras"(1,18). Por volta do ano 100, segundo Papias, discípulo do evangelista João, Judas "teria inchado de forma monstruosa, apodrescendo vivo". Como se depreende ninguém sabe direito seu fim trágico. Mas todos o consideram "o traidor".

Para a Igreja antiga sempre foi um enigma: por que Judas traiu o amigo? Muitas são as teorias. A mim me convence uma bastante aceita na exegese ecumênica, pois guarda certa coerência interna. Ela reza assim: predominava no tempo de Jesus uma visão do mundo chamada apocalíptica. Segundo ela, o fim do mundo estaria iminente. O Reino irromperia, pondo fim a esta desgraçada existência. Mas antes haveria o grande embate com o Anti-reino e seus asseclas. O Messias seria submetido "à grande tentação". Quase morreria. Mas na hora suprema Deus interviria, salvaria o Messias e inauguraria o Reino. Junto com outros estudiosos, comungo da idéia exposta nos meus livros Paixão de Cristo-paixão do mundo e Pai Nosso que Jesus se inscrevia dentro desta visão. Ele fala do fim iminente e do Reino que já está dentro de nós. Usa  expressões técnicas quando se refere à "tentação", à "hora" e ao "beber o cálice", coisa que lhe produz angústia mortal a ponto de suar sangue e rezar:"Pai afasta de mim este cálice".

Os apóstolos participavam desta leitura do mundo. Judas, nesta lógica, no afã de acelerar a vinda do Reino, entregou Jesus para pô-lo em grande aperto e assim obrigar a Deus a intervir. Nesta compreensão, Jesus mesmo no alto da cruz, na cercania da morte, se dá conta de que Deus não intervem como esperava. Grita estas terríveis palavras:"Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste"(Marcos 15,34)? Mas sua última palavra foi: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito"(Lucas 23,46). A traição de Judas seria portanto um ato teologicamente fundado, para acelerar a vinda do Reino.

Bem outra coisa diz o Evangelho de Judas, manuscrito de 13 páginas em papiro, originalmente escrito em grego antigo e depois traduzido para o copta por volta do final do século III e inícios do IV.  Portanto cerca de 150 a 170 anos após a morte de Judas. Descoberto nos anos 70 no Egito só recentemente foi decifrado e publicado. O texto principal traz a fala de Jesus a Judas: "Tu ultrapassarás a todos os outros(apóstolos); tu sacrificarás o homem que me serve de roupagem; eu te ensinarei os mistérios do Reino; mas por isso tu sofrerás muito".  O contexto é do gnosticismo, corrente filosófico-existencial, que negava valor ao corpo e à carne. Jesus aqui deveria se liberar desse envelope carnal para revelar sua divindade. Essa seria a missão de Judas. Tal doutrina está longe do espírito dos evangelhos que afirmam a carne que Deus fez sua. Santo Ireneu, bispo de Lyon, no ano 180, conhecia esse evangelho de Judas e o denunciou como ficção. Mas o manuscrito depois sumiu. Por melhores que tenham as razões de Judas, ele foi o traidor e continua Judas. 


Leonardo Boff - Teóloco e escritor
 

Os Passos de Jesus Cristo

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JESUS CRISTO, doido ou revolucionário?