Presença da Igreja na sociedade
A campanha da fraternidade deste ano, lançada pela Igreja, e acolhida com muito interesse pela Sociedade, mostra com evidência como é possível um convívio tranqüilo, e um relacionamento positivo, entre estas duas instâncias da realidade, a Igreja e a Sociedade.
Mas a questão é muito mais complexa. Fatos cotidianos, com sempre maior freqüência, mostram o outro lado da medalha, apontando para diferenças e tensões no relacionamento entre Igreja e Sociedade.
Não é possível, em breves linhas, esgotar este assunto, que levanta muitos enfoques que mereceriam ser considerados. A intenção é fazer breves acenos, convidando a refletir sobre um tema que desafia nossa atenção e provoca nossa capacidade de análise.
Em primeiro lugar, uma clara constatação se impõe. Por suas instituições, a Igreja marca uma presença densa e consistente na sociedade. Ela é um sujeito social, multifacetado, e exercendo uma larga influência na sociedade. Basta conferir a diversidade de expressões sociais que a Igreja incorpora. Seja na forma que assume sua personalidade jurídica, identificando-se como Dioceses, Paróquias e Comunidades. Seja em entidades derivadas de sua atividade, em forma de escolas, hospitais, e uma infinidade de outras iniciativas de caráter social.
Colocando estas realidades numa dimensão história, aqui no Brasil mais ainda a Igreja adquiriu direito de cidadania, pois de muitas maneiras ela colaborou para definir a própria identidade nacional. Muitas fronteiras, concretamente, foram desenhadas pela presença da Igreja, que precedeu a própria chegada do Estado brasileiro.
Enganam-se, portanto, os que pretendem reduzir a Igreja a uma instância meramente subjetiva, sem consistência social, como alguns pensam, em decorrência de sua visão da religião como se ela fosse uma realidade desprovida de racionalidade, sem legitimidade para nuclear pessoas, e sem direito de atuação social.
Assim pensavam os positivistas, que julgavam a religião como sintoma de atraso cultural. Ao contrário, o mundo hoje está assistindo a um refluxo da dimensão religiosa, que está incomodando os seguidores retardatários de Augusto Comte.
Na convivência entre Igreja e Sociedade, uma das tarefas que a Igreja se propõe é testemunhar valores que gozam de uma consistência ética indiscutível, deixando-a bem à vontade para propô-los a toda a sociedade. Como por exemplo a inviolabilidade da vida humana, a dignidade de todas as pessoas, os direitos humanos, a justiça para todos como base para a convivência pacífica. E assim por diante. A Igreja faz destes valores bandeiras que justificam sua presença e sua atuação na sociedade.
Na medida em que se deduz destes valores outros postulados, nem sempre evidentes, ou carentes de aceitação unânime na sociedade, a Igreja se defronta com resistências, diante das quais ela precisa ter uma postura de maturidade e de respeito pela diversidade de opiniões existentes na sociedade.
Inclusive para não perder sua capacidade de diálogo com a sociedade, a Igreja é chamada a ter coerência com seus princípios, e afirmá-los de acordo com o valor que eles possuem, e simultaneamente respeitar as opiniões divergentes na sociedade. Inclusive porque uma coisa é afirmar os princípios, outra é ver quanto eles podem ser aplicados nas condições concretas em que as pessoas vivem. Uma postura fundamentalista, que só afirma os princípios e não é capaz de perceber os condicionamentos da realidade que impedem de vivê-los plenamente, é prejudicial à Igreja, e pode comprometer sua credibilidade na sociedade.
O bom senso sugere à Igreja que seja coerente, e ao mesmo tempo se coloque como servidora da sociedade, facilitando assim que sua colaboração possa ser valorizada. E sugere à sociedade que seja autêntica na sua proposta de estruturação autônoma, mas que permaneça aberta à contribuição que a Igreja pode lhe dar.
Assim ganham, tanto a Igreja como a Sociedade. E talvez se superem os extremismos, que só acirram posições inconseqüentes.
Dom Luiz Demétrio Valentini