“Convertei-vos e crede no Evangelho. Lembra-te que és pó e ao pó retornarás”
São duas reflexões que nos são propostas quando o ministro sagrado,
num gesto sacramental, impõe cinzas sobre nossas cabeças que se curvam
penitentes.
Não vamos receber as cinzas como num ritual
sem sentido. Conscientes do pecado do mundo, do nosso pecado também,
que quer destruir o plano
divino, caminhamos ao encontro da misericórdia de Deus que, pela
Encarnação de seu Filho vem restaurar a Humanidade e a todo o
Universo.
A pregação do profeta Joel que, neste primeiro dia
da Quaresma, ecoa em toda a Igreja, nos convoca a conversão, a rasgar
nosso coração na sua profundeza, ao arrependimento e a nos abrirmos à
bondade divina, acreditando no Evangelho.
A penitência que
fazemos, o jejum,a oração e a esmola não são obras externas. Nascidas
no interior da nossa consciência, apresentamo-las ao Pai, sem
trombetearmos pelas ruas e praças, mas na humildade do publicano que,
do fundo do templo, batia no peito dizendo “Meu Deus, tem piedade mim que sou pecador” (Lc. 18,13).
E
sendo uma penitência eclesial, ela não é exclusivamente pessoal; é a
penitência de todos os que, batizados, cremos na redenção que, pela
sua paixão e morte, o Filho de Deus traz a humanidade na confirmação
de sua ressurreição.
A nossa falta de fidelidade ao Evangelho, ao
reconhecimento do único Deus verdadeiro, à fraternidade entre os
irmãos deve conduzir-nos à uma conversão sincera, aos valores que
reconhecemos pela fé. “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está perto. Convertei-vos e crede no Evangelho.” (Mc 1, 15)
Sintonizados
com os nossos Pastores, procuramos descobrir onde estamos mais falhos
na fé e na missão. No Brasil, neste ano, vamos meditar na
solidariedade e segurança. A falta de fé e solidariedade conduziu-nos a
uma angústia do medo. Fechamos nossas casas e nossas propriedades.
Fechamo-nos a nós mesmos. Não reconhecemos o próximo. Queremos uma
segurança pessoal, como se a técnica e os homens pudessem nô-la dar.
Esquecemo-nos
do que nos pode garantir a tranqüilidade e a paz: a caridade, o amor.
Enquanto continuarmos a considerar o homem como lobo do próprio
homem, e passarmos ao largo da miséria como se nada tivéssemos a ver
com ela, enquanto espoliarmos o próximo no liberalismo da política
econômica e da política social, em vão procuraremos segurança.
A paz só nos advém da Justiça. Não da justiça farisaica, que foi condenada por Jesus: “Se a vossa justiça não for superior à dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos céus.” (Mt. 5,20). A verdadeira Justiça é a santidade, que supera o “dente por dente e o olho por olho”, no amor, buscando com todas as forças a perfeição, como o Mestre conclui sua pregação: “Sede, portanto, perfeitos, como vosso Pai Celeste.” (Mt. 5, 39-48)
A
reflexão sobre o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, leva-nos
a sair de nós mesmos, do nosso medo, da atribuição de culpa a outrem.
Procuremos contribuir na construção do Reino, na solidariedade com
nossos irmãos.
A nossa penitência não pode ser exterior, como pregava São Leão, Papa, no sermão 4 da Quaresma: “Não
só na abstinência de alimento consiste nosso jejum: para
frutuosamente subtrairmos o alimento ao corpo temos de arrancar a
iniqüidade do nosso espírito.”
Bento XVI na sua mensagem quaresmal, ressaltando as práticas penitenciais, sobretudo do jejum, insiste no mesmo tema: “A
Quaresma seja portanto valorizada em cada família e em cada
comunidade cristã para afastar tudo o que distrai o espírito e para
intensificar o que alimenta a alma, abrindo-a ao amor de Deus e do
próximo.”
A purificação da nossa vida de fé, refletindo
numa caridade sem limites nos levará a pratica da justiça, a sermos
perfeitos como o Pai, a quem, seguros e libertos, podemos confiar nossos
dias: “Aquele que habita à sombra do Altíssimo, descansará na proteção do Deus do Céu”. (Sl.91 (90).
Dom Eurico dos Santos Veloso
Administrador Apostólico de Juiz de Fora(MG)