(Faça o seu Natal diferente)
Desfaço-me da arraigada tradição de mais de quinze anos e convido a prole para seguir comigo o inusitado que a vida nos oferece a todo o momento, porém por uma questão de se não ousar, termina por desperceber muitas coisas em nome do poder da convenção ou simplesmente por causa da rotina, do comodismo apenas; de repente o tempo passou e sequer se sentiu quão gratificante era viver o inusitado que acontece belamente a nossa volta por um pequeno, mas significante momento.
Ousamos.
Era véspera do Natal de 2004, e sendo eu de Natal, queria sentir que presente a Cidade proporcionaria para mim, nossos filhos e a mãe deles. Isto é, oferecer-nos algo que transcendesse o convencional, o enfadonho e repetitivo “amigo secreto”. Este, geralmente, realizado sem reflexão alguma entre familiares e amigos que permutam eternos presentes de sentidos efêmeros e que sequer traduz o sentimento da festa em si, nem tampouco para quem o recebe, visto que “gosto não se discute”. Em se tratando de gosto, aqui é onde está a chave do problema da grande maioria. Isto é, um problema que tanto envolve criança quanto senil. Ou seja, ninguém consegue adivinhar o gosto de ninguém. E tendo eu o gosto mais explícito possível que até você, leitora, pode perceber; o incrível é que ainda assim o “amigo secreto” não capta. Por isso, prefiro a secreta amiga ou secreto amigo do meu discutido gosto, ao invés, do repetido desgosto do meu amigo secreto.
Eram 20h, saímos com destino à Cidade Alta, o centro de Natal. A prefeitura, com apoio assíduo da governadora Farias, a qual, como uma senhora dona de casa tem arrumado a cidade desde que fora prefeita por dois mandatos, com isso tem proporcionado para os natalenses o autêntico “Presente de Natal” realizando e investindo na cultura nesse período natalino. O exemplo é o Auto de Natal que já vem com sua quarta edição se apresentado no Palácio da Cultura e por alguns bairros periféricos da cidade, diga-se de passagem, um belíssimo espetáculo que tem levado milhares de pessoas a reviver sua cultura.
Infelizmente, às 20:30h, o Auto de Natal já encerrará. Mas a Praça André de Albuquerque continuava ornamentada e a festividade natalina continuava em alta. Dois telões transmitiam propaganda do patrocinador e um palco apresentava o “João Redondo” de Chico Daniel e, na sequência, apresentava-se a banda de um dos irmãos da família Galvão que apresentava uma miscelânea musical. Às 22h começava a missa na Igreja Santo Antonio, a do Galo.
À Igreja, fomos os primeiros a chegar, apenas o eco e o vazio nos intimidavam. Sentamos no último banco da esquerda, dado à facilidade no encerramento da cerimônia e à boa brisa que fluía gostosamente àquela hora da noite. Porém, logo à entrada da porta central, aparece uma viva-alma. Era a jovem responsável pelo jornalzinho da missa dominical entregue em plena sexta-feira para missa que logo logo aconteceria. Mais adiante, de mesma aparência jovial da mulher, um jovem arruma o altar. Minutos após, aproxima-se da gente, e solícito nos convida a conhecer a Igreja e o interior do convento. Visitamos vários setores, mas o intento do jovem cicerone era nos apresentar a foto de Frei Damião. Percebo que ele não era muito habituado àquele ambiente, apesar das longas datas que se dizia está por ali, desconhecia o local exato onde o Frei se encontrava. Foi quando ao retornamos, vimos Frei Damião acima da porta principal por onde havíamos entrado. Finalmente, nos levou à sala de confissões, por sinal, moderníssimo confessionário, que me fez lembrar a redoma em que a santidade o papa João Paulo II costumava ficar quando visitava algum país. Um espaço todo em vidro. Fortíssimo vidro. Vidro blindado. Fora como eu via aqueles dois confessionários, com duas cadeiras em cada um dos seus interiores.
Quão moderníssima também é a forma de confissão: frade e pecador dentro do mesmo espaço, um vendo o outro, sem mais aqueles sussurros de um homem por trás de uma grade numa redoma escura. Contrastava-se o aparato de vidro com a antiquíssima madeira escura que revestia todo o interior da igreja. Mas o curioso de tudo é que eu sentia que nada era obra do acaso. Visto que, anos pretéritos e horas antes eu havia visitado a igreja com a prole para me certificar do horário da missa. Onde adentrei o lugar e fui até a porta central, do lado esquerdo, só para admirar a pracinha arborizada que fica entre a Igreja e o convento.
Sempre achei curioso aquele lugar e meu afã era conhecê-lo.
Observei atentamente que no alpendre se encontravam garotas e garotos bem à vontade sobre o murinho do alpendre. Porém, agora, estava tudo fechado e o mesmo vazio, e o mesmo eco a me intimidar.
A Igreja estava repleta de caras e de algumas almas novas tal qual o ano que se aproximava. Eu, a mulher e os meninos estávamos em família. Digo, em família denominada Garcia. Como já disse, estávamos no último banco à esquerda da igreja. A mesma jovem da entrada, a que entregava o jornal, desenvolve uma conversa com a mãe dos meninos e percebo que se trata de um convite. Segundos após, fico sabendo que o convite é destinado à família Garcia. Ou seja, fomos todos intimados a comparecer ao altar. Pois na hora das oferendas seríamos nós os convidados a fazer a entrega no altar mor. Ou seja, quatro objetos para justamente quatro pessoas: eu, Marly, Otávio e Maurício. A família. Este fora indubitavelmente um convite à Garcia. Ao passar com a oferenda (uma bacia e uma jarra – não sei se continha água ou vinho) pela jovem, lhe agradeci pelo belíssimo presente de Natal.
(Do Livro: CRÔNICAS DE UMA CRÔNICA VIDA - M. C. Garcia, - garciamc2001@hotmail.com / http://essenciasemparadoxo.blogspot.com)