sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Pensar dói

Pensar dói


O ano era 1993, mais ou menos em outubro; o que pode parecer distante para alguns. Porém o que aconteceu é algo que ainda não envelheceu – mas que, de certa forma, precisa caducar.

Estava eu, no alto dos meus dezoito/dezenove anos, estudando para o vestibular em um cursinho da cidade, que não vou nomear, assim como não revelarei alguns nominativos próprios e, acima de tudo, particulares. A aula era de história, o professor era paraibano com nome de italiano, muito bem conceituado naquela instituição. Sem as nuanças e reflexões teórico-pedagógicas atuais, suas aulas, bastante tradicionais, fugiam até mesmo das piadísticas muito comuns a “preparatórios” vestibulescos até hoje, de tiradas humorísticas de comicidade duvidosa – ai daqueles que, por força da mão do destino ou da falta de compromisso, não passavam nas provas e voltavam a sentar nas caldalosas salas de aula, pois escutariam as mesmas piadas resquiciadas dos anos anteriores. Alguns diriam: “E o jeito?...”.

-- Boa noite! – falava, sem sorrisos ou ares de gentileza, menos por educação do que por obrigação.

Dizia o tema da aula e tome o formigueiro no quadro, que não serviria como guia para ele – que verdadeiramente não precisava, pois não olhava uma só vez para a lousa, quando expunha o conteúdo oralmente em seguida –, mas servia para nós como tópicos para entender o que seria explicado mais à frente e como recurso mnemônico em casa – não para todos.

O que se espera é que se haja um silêncio mausoleico, tumular, em uma situação dessas: professor e alunos copiando. Todavia: barulho; o que, notadamente, o irritava: safanões no final das palavras, bufadas contidas, agitação dos braços, coceira na orelha esquerda, olhares reprovadores para trás.

Fim, ponto final. Vira, começa a Expansão do Império Romano...

O que se esperava?... Isso mesmo; mas não foi o que aconteceu...

Lembro-me como se fosse nesse instante: batida de mão aberta no quadro, com a força de alguns megatons. As ondas sonoras provenientes daquele ponto ecoaram na sala fazendo, como em Hiroshima, uma onda de choque, provocando, enquanto se espalhava, um silêncio tão absoluto quanto assustador. Olhos arregalados; rostos sem entender; expressões atônitas...

-- O que vocês têm na cabeça? Hein?! Hein?!

Esperava retoricamente as respostas. Nada. Sobrancelhas arqueadas em direção do nariz, voz alta, quase heave­metaleira, vociferou:

-- Vocês pagam isso para quê? O que vocês querem?... Ser médicos? RÁ, RÁ, RÁ – risada sarcasticamente perfeita, que dificilmente um bom ator conseguiria fazer com tal êxito – Ser engenheiros, advogados, professores? RÁ, RÁ, RÁ. Físicos, matemáticos? RÁ, RÁ, RÁ... Coitados! COI-TA-DOS!

Ele olhava a sala toda, mas parecia olhar para cada um individualmente, pois se movia dramaticamente em todas as direções.

-- Mas eu sei o porquê disto...: PENSAR DÓI. PEN-SAR-DÓÓI!...

Respirou fundo. Olhou-nos mais uma vez. E voltou a dar sua aula.

Naquele dia, então, houve um final quase cinematográfico: o silêncio e a atenção tão desejados fizeram-se.

Estranhei muito aquela situação, é verdade. Mas aquelas duas palavras reverberam até hoje em minha mente e explicam muitas coisas que acontecem ao meu redor.


Antonio Carlos

(julho/ 2008)

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