Dou esmola a bêbado, me benzo na porta de igreja, me emociono com beijo de novela e morro de inveja das coxas da Madonna. Acredito em fidelidade conjugal, tesão sem prazo de validade e milagre de santo expedito. Que dinheiro não traz felicidade, o importante é competir, o fracasso é pedagógico, beleza não põe a mesa, dias melhores virão e o que passou passou. Tem pílula que emagrece dormindo, creme que tira ruga na primeira passada, arte e democracia emanam do povo e em seu nome são exercidas. Muito em breve não haverá mais um só analfabeto em todo o território nacional, uma só menina vendendo o corpo pra comprar cocada, um só recém nascido morto em berçário ou casebre, um único velho maltratado em asilo público, um único jovem sem oficio, baile e salário e a tortura nas delegacias será coisa dos anais da história, acredito no fim da miséria, da arrogância e do desprezo. Que fechando os olhos a dor passa, o telefone toca e o amor chega . E todos os homens que batem em muher serão ridicularizados em público e terão seus nomes publicados em dossiês municipais e até bairro a bairro, em caso de megametrópole. Acredito no que me ensinaram a acreditar e no que me desensinaram. No que foi prometido e no que não foi. No que se cumpriu e no que ficou na intenção ou nem isso. Acredito no que quero, quando quero e só se quero. Porque cínica ou crédula no meu coração mando eu. E mais do que tudo acredito no que me ensinou o maestro Mignone no primeiro dia de aula de canto orfeônico: se a gente canta o hino nacional com a mão no coração, a pátria mãe será sempre gentil e jamais nos deixará ao desamparo.
Sobre o(a) autor(a): Consuelo de Castro, nesceu em Araguaia - MG, em 1946. Grande dramaturga e escritora brasileira. Se formou em Ciências Sociais na FFLCH - UPS. Escreveu ‘Caminho de Volta’, 'Marcha à Ré', 'À flor da Pele', entre outras peças.
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