quarta-feira, 3 de dezembro de 2008


Espírito de Natal

Um jovem de uns 20 a 22 anos de nome José (velho apenas para os apócrifos, escritos 300 anos após os evangelhos) vivendo em Nazaré, norte da Palestina, teve que deslocar-se para o sul, para Belém, a fim alistar-se num recenseamento. Levava sua mulher Maria, já grávida de nove meses. Chegando ao local, Maria entrou em trabalho de parto. José procurou as pousadas da região e explicou a urgência. Mas todos diziam: "não tem mais vaga". Ele não teve outra alternativa senão procurar algum canto que fosse minimamente seguro. Encontrou uma gruta onde os animais se protegiam contra o frio daquela época do ano. Ai, numa gruta, Maria deu à luz a um menino, chamado inicialmente Emanuel e depois Jesus. E eis que aconteceu algo surpreendente, realmente mágico, fator que sempre confere encanto à hitória. Esta não se rege pelos cânones frios da racionalidade mas pelo imprevisto e o imponderável. Por isso ela tem sabor.

Eis que irrompeu um clarão imenso, uma como que estrela que pairou sobre aquela gruta. A vaquinha que mugia baixinho e o asno que ressoava ficaram imóveis. Lá fora as folhas que farfalhavam ao vento, pararam. As águas do riacho que corriam, estancaram. As ovelhas que bebiam, ficaram inertes. O pastor que ergueu o cajado no ar ficou petrificado. Um profundo silêncio e uma paz sereníssima tomou conta de toda a natureza. Foi nesse exato momento que veio a este mundo a Criança divina. Imediatamente após, ouviram-se vozes do céu, captadas pelos que estavam atentos: "Glória a Deus nas alturas e paz na terra a todas as pessoas de boa-vontade".

O impacto deste evento foi tão grande que nunca mais pôde ser esquecido. Dois mil anos após é ainda lembrado e celebrado, de alguma forma, em todo o mundo. É a magia do Natal. Foi secularizado pelo Papai Noel e entrou no mercado com os presentes de Santa Klaus. Mas ninguém conseguiu ainda destruir o espírito do Natal. É uma aura benfazeja que precisa ser preservada pois nos faz mais humanos. Qual será?

Primeiro, que Deus é principalmente Criança e não antes de tudo Criador e Juiz severo. Uma criança não ameaça ninguém. É só vida, inocência e ternura. Mais que ajudar a outros, ela precisa ser ajudada e acolhida. Se imaginarmos Deus assim, não precisamos temer. Enchemo-nos de confiança.

Segundo, o ser humano por ruim que seja, deve esconder um valor muito grande a ponto de Deus querer ser um dele. Bem me disse, um dia, um esquizóide: "Cada vez que nasce uma criança, é prova de que Deus ainda acredita na humanidade". Deus acreditou tanto que quis nascer criança frágil, com os bracinhos enfaixados para não ameaçar ninguém.

Por fim, a Criança divina nos lembra o que somos na profundidade de nosso ser: uma eterna criança. Crescemos e envelhecemos. Mas guardamos lá dentro a criança que nunca deixamos de ser. A criança representa a crença de que é possível um mundo diferente, de inocência, de olhar sem malícia e de pura alegria de viver.Viveríamos sem esse sonho?

Divino Infante, realiza em nós este destino!

Não deixe que em nós morra a esperança!

Não esqueça que foste como nós, menino!

Nasça de novo em nós como Criança.


Leonardo Boff


Com este texto, terminamos as publicações de uma série de quatro reflexões apresentadas no grupão de 23/11/2008 . Esperamos que sirvam para que vivamos um Natal centrado no Projeto de Salvação de Deus, que começa com o nascimento do menino Jesus.

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