sábado, 9 de outubro de 2010

Aborto é usado como máquina de guerra eleitoral na eleição no Brasil

Le Monde


O chefe do Estado brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, tem boas chances de ganhar sua aposta: transmitir grande parte de sua imensa popularidade à herdeira que ele escolheu para si, Dilma Rousseff, para que ela vença, no dia 31 de outubro, o segundo turno das eleições presidenciais, antes de sucedê-lo, no dia 1º de janeiro de 2011. Até lá, mais quatro semanas de campanha colocarão Dilma contra seu adversário social-democrata, José Serra.

A favorita foi levada à disputa do segundo turno por obra de uma outra mulher, a ambientalista Marina Silva, agora eliminada da corrida presidencial. Mas a amplitude de sua pontuação – quase 20% dos votos – recompensou a musa do Partido Verde com uma derrota cheia de promessas.
Marina Silva deve esse desempenho inesperado primeiramente a suas qualidades pessoais. Sua calma, seu respeito aos adversários, sua integridade, sua postura moral e a coerência de seu discurso exaltando o desenvolvimento sustentável lhe permitiram marcar sua diferença em relação a seus dois rivais, apoiados por poderosos aparelhos partidários.

Assim como Lula em outros tempos, nessa competição ela apareceu como o azarão, que com coragem e tenacidade conseguiu superar a desvantagem de uma origem modesta e de uma infância analfabeta, antes de se tornar senadora e ministra do Meio Ambiente de Lula, pedindo demissão em 2008 para expressar seu desacordo com seu ex-protetor.

Seu desempenho também resulta, a contragosto, de um fenômeno mais nebuloso: o afluxo em seu favor de milhões de votos provenientes dos fiéis das Igrejas evangélicas, que representam cerca de 20% do eleitorado.

Marina Silva, ela mesma convertida ao protestantismo evangélico, colheu os frutos amargos de uma campanha violenta e sorrateira, lançada nos templos e transmitida com fervor pela internet, feita pelos meios cristãos conservadores contra Dilma Rousseff, que eles acusam de querer legalizar o aborto, proibido no Brasil, assim como na maior parte dos países da América Latina.

Dilma Rousseff teve o azar de no passado defender uma descriminalização da interrupção da gestação em nome da saúde pública. Segundo uma pesquisa oficial, 15% das brasileiras com idade entre 18 e 39 anos – ou seja, 5,3 milhões de mulheres – abortaram pelo menos uma vez. Elas pertencem a todos os meios sociais. Mais de uma em cada duas delas teve de ser hospitalizada na sequência. O aborto mal feito e suas sequelas são uma importante causa de mortalidade no Brasil.
Próximo dos cristãos de esquerda influenciados pela teologia da libertação, Lula nunca conseguiu, em oito anos de governo, legalizar o aborto, uma medida que faz parte do programa de seu partido, mas que a Igreja repudia.

O Brasil, maior nação católica do mundo, tem seus arcaísmos e seus tabus, que podem ser aceitos ou criticados, dependendo do ponto de vista. O aborto faz parte deles. É uma pena que esse grave problema social, em vez de incentivar um verdadeiro debate, esteja sendo usado com máquina de guerra eleitoral.

 
 Marina Silva, ela mesma convertida ao protestantismo evangélico, colheu os frutos amargos de uma campanha violenta e sorrateira, lançada nos templos e transmitida com fervor pela internet, feita pelos meios cristãos conservadores contra Dilma Rousseff, que eles acusam de querer legalizar o aborto, proibido no Brasil, assim como na maior parte dos países da América Latina.
Tradução: Lana Lim
Jornal Francês Le Monde

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