quinta-feira, 27 de agosto de 2009

PROSA E POESIA


Nem sempre é fácil você se autoclassificar. Fora as categorias óbvias de que faz parte, como o gênero – e mesmo assim tem cada vez mais gente com dificuldade para saber a que sexo pertence –, as outras são imprecisas. Por exemplo: raça. Eu me considero branco, mas uma descrição mais honesta do meu mix, que inclui português, alemão, italiano, índio e negro, me obrigaria a pelo menos acrescentar um ponto de interrogação à definição. Raça: branco?

Outra definição imprecisa é a da sua classe. Você sabe quando pertence à classe AAA e não tem dúvidas quando pertence à F, mas todas as outras dependem de graduações sutis de difícil percepção. Classe B de cima, quase A, ou B de baixo, quase C? Classe C ascendente ou decadente? Classe D com ou sem parabólica?

Mas você pertence a outras categorias, sem se dar conta. Se não sente nenhuma afinidade especial com pessoas do mesmo sexo, da mesma raça ou da mesma classe, pode descobrir o senso de comunidade que procura com membros de algumas destas irmandades pouco notadas. Os homens se dividem em duas grandes categorias: os que põem a mão na cintura quando fazem xixi e os que não põem a mão na cintura quando fazem xixi. É inescapável: ou você pertence a uma facção ou à outra. Tente descobrir o que mais une vocês, além da postura mictória. Organizem-se. Reúnam-se.

Poderia haver convenções nacionais de pessoas que dizem “catorze” e de pessoas que dizem “quatorze” – e intercâmbio, talvez até competições esportivas, entre os dois grupos. O mesmo com pessoas que raspam a manteiga e pessoas que a cortam em pedaços, comem e não comem a casca do queijo, abotoam a blusa ou a camisa de baixo para cima ou de cima para baixo, preferem sentar atrás ou na frente no cinema, molham ou não molham o dedo para virar a página do jornal...

Faça o seguinte: classifique-se de acordo com suas idiossincrasias, hábitos, preferências e esquisitices – e saia à procura da sua turma. Você pode muito bem pertencer a uma categoria que só não mostrou sua força porque ainda não se reconheceu, porque ainda não sabe o poder que tem. Quem pode afirmar que os que só conseguem dormir de meias, ou estalam os dedos, ou comem o figo com a casca, bem organizados, um dia não dominarão o mundo?

Luiz Fernando Veríssimo


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