segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A VIÚVA MACHADO: A LENDA DA PAPA-FIGO

ULINDA Lucina Machado morava estranhamente no porão duma casa antiga que ficava na Cidade Alta, em Natal. Lucina era mulher muito rica, dona de muitas terras que herdara de seus pais; mas era muito esquisita que ficou conhecida como “A Viúva Machado” por quase toda cidade. Até se transformou em lenda.

Contava-se que A Viúva Machado tinha as orelhas enormes e pelo tamanho delas teria vida longa. Na época, já ultrapassava os cem anos de vida. Porém, sua sina de rica coitada era viver isolada do mundo e das pessoas, exceto de Dona Marileon, sua criada e única companhia de todas as horas.    
 
A Viúva Machado sofrera uma grande decepção na sua vida quando ainda era muito jovem e bonita. Como assim contava Dona Marileon, uma negra que teria sido escrava naquele século de horror, era muito velha mas nunca revelou a sua idade para ninguém. Nem a família sabia do seu registro de nascimento. Sabe-se, portanto, que tinha cara de centenária e orelhas grandes como as da Viúva Machado, a quem ela prestava serviço há sete, talvez há oito décadas ou mais. Não se sabe ao certo quantas. Sabe-se portanto, que ela era tão velha quanto sua “horripilante” patroa.

Dona Marileon morava no povarejo do Galo, às margens da linha férrea Natal/Macau, acompanhada de seu filho Adud, pescador muito respeitado. Apesar da idade avançada de corcunda envergada feito pau de galão d’água, dona Marileon nunca deixou de trabalhar de enxada limpando o terreiro de casa, onde a cada quinze dias a erva daninha, insistentemente, num ervanço cruel invadindo todo  quintal. Com a cabeça quase a tocar nos pés não tinha dificuldades de ir, com as próprias mãos, afastando e juntando os montes de matos aparados com uma parcimônia taciturna de senil. Eis que seu ofício era parte da sua existência. Um estímulo de vida. O trabalho árduo e cruel num sol escaldante da manhã. Um gesticular taciturno de quem está sempre a conversar com Deus, entendido pelos mais novos geralmente como caduquice ou coisa de velho. Que nada! Sapiência própria de senil na filosofia do antes consigo mesma do que mal acompanhada, a exercitar o “conhece-te a ti mesmo”, socrático. Sempre a monologar, interiormente, como numa reza lenta e demorada de terço de maio.

M. C. Garcia 


Contou D. Marileon, certa vez, ao Sr. Oivatum a verdadeira história plangente de Dona Eulinda Lucina Machado, sua patroa:

“Pois é, meu filho, a menina Eulinda casara-se ainda muito jovem. Tinha, talvez, treze anos se não me falha a memória de minha caduquice, quando um homem muito rico a levou de casa para o altar. Era a única filha de D. Benelinda,  que muito chorou quando viu partir sua única riqueza, sua dádiva de Deus, a pequena Eulinda. Nessa época, fins do século séc xix, foi o casamento mais comentado na província potiguar. Natal tornara-se o centro das atenções e o Brasil inteiro se voltou para o evento ímpar que o futuro se incumbiu de transformá-lo em lenda.
 
Sabe menino, até Dona Maria Leopoldina veio para o casamento como convidada de honra, especialmente para ser madrinha e veio sim, bem acompanhada de D. Pedro, seu marido. A festa durou duas semanas. Tinha tanta comida, de tudo que você imaginasse que dava gosto. Tinha música de todos os gostos para quem quisesse dançar; uma orquestra veio diretamente do Rio de Janeiro, a mando de Dona Leopoldina. Eu tinha treze anos, na época, e minha mãe cuidava com muito zelo da senhorinha Dona Eulinda. Nesse dia, nós comemos e dançamos para valer.
 
A senhorinha, Dona Eulinda,  era uma menina muito boa. Não se incomodava com seus criados. Deixava a gente bem à vontade. Pela sua iniciativa vieram negros até de outras fazendas vizinhas só para ajudar na festança. Menino, você tinha que ver como a senhorinha estava bonita. Se a danada já era bonita ficou uma princesa de conto de fada. Uma Cinderela ao lado de seu príncipe encantado, que também não deixava de ser um rapaz muito bonito.
 
Terminada a grande festa, os recém-casados partiram para a lua-de-mel numa bela carruagem que parecia de cristal a reluzir os raios do sol da manhã. Dias depois a desgraça se deu.
 
Voltavam da lua-de-mel e a carruagem caiu num precipício. O Príncipe teve morte instantânea e a senhorinha Dona Eulinda, por milagre de Deus, escapou sem nenhum arranhãozinho. Daí, então, a coitadinha entrou naquele porão e nunca mais quis saber de ninguém. Não mais saiu de lá para nada.
Minha mãe morreu. Aí eu passei a cuidar da pequena Eulinda, que o povo passou a chamar de “Viúva Machado” e inventar as histórias mais horríveis contra a pobrezinha.
 
Povo mal agradecido, meu Deus! Até hoje cuido da menina e não entendo como foram inventar essa história tão absurda!”

Desse fato então, quando era noite de lua cheia, os meninos para se divertirem arranjavam diversas formas de brincadeiras. Brincavam de esconde-esconde, assobia-meu-canário,  bandeirinha. Mas do que eles mais gostavam mesmo eram das estórias de Trancoso que Mãe Amélia contava sentada no batente da porta. A meninada dispersa pela calçada no terreiro enluarado a ouvi-la.
 
Mãe Amélia contava muitas estórias. Começava pela Moura-torta, entrava pela Madrasta que enterrou a menina viva no capinzal. Depois, ia para a do Lobisomem, para a do Batatão-de-fogo e terminava com a estória da Viúva Machado, a mais esperada pela garotada.
 
Era a história de uma mulher muita velha que vivia num porão e, para prolongar a sua idade, que já passava dos cem, tinha que comer fígado de criança. Todo menino que ouvia a estória da Viúva Machado tinha medo. Todos sofriam um frio dos pés à cabeça que o corpo se arrepiava inteirinho. Tudo isso só porque morava bem perto dali dona Marileon.

Eles viam na pobre velha centenária a figura assombrosa da Viúva Machado só porque a coitada havia trabalhado para ela como criada. Para muitos deles não era conversa, não. A velha tinha algo de muito estranho mesmo.

Aquilo que mãe Amélia contava não era estória de Trancoso não, era de verdade mesmo. Pois, Dona Marileon todo final de semana tinha uma viagem a fazer. Era uma viagem misteriosa. Para onde uma mulher naquela idade ia sozinha todo final de semana? Eis aí o grande enigma. Certo  dia, um homem a viu na 

Cidade Alta, indo para o antigo casarão da Viúva Machado. Ela sempre andava com um saco nas costas. Será que aquele saco não ia cheio de figo de menino? Hein!? 
 
Para os meninos a estória da Viúva Machado era a história de Trancoso mais real que podia existir entre todas as que já ouviram contar. Isso, só por causa da proximidade de dona Marileon.
 
Quando na verdade, em verdade, a velha centenária era um poço de taciturnidade. Mas, era exatamente esse silêncio de múmia, de isolamento de velho que assustava a maioria das crianças da Siqueira Campos. Mormente, quando elas passavam pela linha e a viam limpando o terreiro com uma enxada, de corcunda quase enfincada no chão, diziam uns para os outros:

 “Olha, ela está ali disfarçada. Querendo pegar um de nós. Um besta qualquer e levar para a Viúva Machado comer o figo da gente”.

Quando a velha, despercebida de tudo que se passava ao seu redor, levantava a vista para olhar o tempo... A molecada assustadíssima via em qualquer movimento dela, uma ameaça. Com isso, saíam numa boca-de-fogo pela linha afora que nem pedra de baladeira os pegava.
 
A velha Marileon não era de muita conversa. Poucas eram as pessoas com quem ela dividia seu falatório. Seu  Oivatum, pai de Ossiab, era o único privilegiado - pode se dizer - que ela admitia tirar um pouquinho de prosa de quando em vez. Mas não era de se alongar muito na conversa. Só conversava o necessário que fosse do seu interesse.
 
Certa vez, seu Oivatum acreditando na intimidade que tinha com a velha quis saber a idade dela. No entanto, ela saiu com esta:
 
“Mas que cabimento! Onde já se viu uma coisa dessa”.
 
Aconteceu que a velha não gostou da pergunta do seu Oivatum e saiu com mais de sete facas na ponta da língua:

 “Me respeite, menino. Onde já se viu uma velha como eu ter que falar minha idade? Eu tenho idade de ser a sua escancha vó. Quanto mais sua vó ou sua mãe. Onde já se viu isso?!”
 
Dona Marileon era de uma época em que gente da sua idade não se permitia ficar de intimidade ou de conversa com gente mais nova. Criança não podia ouvir conversa de adulto. 

 “Vai lá para dentro menino, a gente está conversando!”
 
Era assim. Seu Oivatum, percebendo que ela não gostara da brincadeira, procurou logo mudar de conversa. Dona Marileon conversava mas quando via que estava se estendendo demais, mandava-o embora sem nenhum constrangimento. Mesmo assim, ele se dava muito bem com ela.
    
Sabendo-se que um dia toda e qualquer pedra cederá à constância da água sobre si, para dar passagem a seu fio. Assim, se deu com D. Marileon, que na verdade não gostava de criança. Porém, um dia abriu as portas para o menino Ossiab e todo o medo e assombração que se tinha com relação a dona Marileon foi desfeito.
 
Eis que Ossiab vivia para todos daquele povarejo que dependiam da sua preciosa água de galão. Mas, nunca havia botado água para D. Marileon. Pois sim, Ossiab tremeu quando Adud lhe pediu para botar água para a sua mãe. E como todos os meninos, ele também tinha medo da velha. Porque Ossiab era dos meninos que, à noite, se assombrava com a Viúva Machado. E, mesmo se pelando de medo, foi levar água para D. Marileon. Eis a surpresa que teve: ela assim que o viu, pequeno, franzino quase desnutrido carregando todo aquele peso no lombo, disse com espanto:

 “Meu Deus, um menino desse tamanho, nessa idade, carregando um peso danado desse. Será que Oivatum não tá vendo isso. Coitadinho! Meu filho venha aqui, mas tome cuidado. Me ajude a levar água para minha quartinha, lá pro quarto. Cuidado com o batente. Olha o tamborete. Adud não tem mesmo vergonha, sempre deixa esse tamborete aqui, em tempo da gente cair e se machucar”.

Ossiab não dava um suspiro, muito menos uma palavra. A velha que não era muito de falar com as pessoas, falava. Ossiab por sua vez não dizia nada. Estava ali, mas era como se não estivesse.  Ela continuava a falar sozinha como sempre. Ele, mudo, calado. A cada favor que a velha lhe  pedia seria o momento crucial. “Agora ela me pega e adeus o meu figuinho!”. Lembrava-se do papa-figo. E este não era homem como o pessoal contava. Era uma mulher. Estava ali, na figura de D. Marileon. Levava a lata d’água para o quarto escuro e ela atrás dele, num passo trôpego. Ali, dentro do quarto - matutava consigo -, aconteceria a desgraça.
 
Adud chegou pela porta da frente e uma luz vinda da rua iluminou casa a dentro. A alma de Ossiab apaziguou-se, tão logo  estava retornando para cozinha, com um ar realmente de vida. Tudo se iluminara com a presença de Adud.
 
A velha, satisfeita, enfiou a mão no bolso do seu vestido de rendas estampado - Ossiab ainda de olhos arregalados -, tirou uma moeda de cinqüenta centavos e pagou o serviço. Ele se sentira o mais feliz dos meninos daquele povarejo. Irradiante de alegria, saiu confirmando que voltaria sem falta na manhã seguinte. 

Já a caminho da cacimba deu o seu grito de satisfação e vitória: 

“Legaaaal, ela me pagou à vista!”
    
Ossiab se fez amigo da Viúva Machado e de D. Marileon que sempre lhe pagou e lhe deu de presente sabonetes bem cheirosinhos.

9 comentários:

Elizabeth disse...

kkkkkkkkkkkkkkk........

afff... nem mim lembre dessa historia, meu primo mim contava esta historia, e eu quanse não dormia todos os dias. (rsrsrsrs).

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk fala serio me arrepiei toda

Jonathan Lourenço disse...

Que estória! Parabéns ao pessoal do Blog! Quem escreveu o texto? Tem alguma ligação com fatos reais ou são personagens criadas com base na viúva? Abraço!

Anônimo disse...

Fala serio minha tia dise que moria de medo quando criança mas eu de 9 anos nao tive nem um poco de medo

Valdir disse...

Eu cresci ouvindo essa historia. Por infelicidade minha familia quase todos tem orelhas de abano e por ter machado no meu nome, virou mecheu tavam me chamando de papafigo. E como se nao bastasse, minha avó, Eliza Machado tambem era viuva. Uma lenda e tanto que nao deveria se apagar.

vinicius disse...

vi a historia na televisao e vim pesquisar

Anônimo disse...

Eu tbm vi na tv e minha mãe me pediu pra pesquisar.

Anônimo disse...

minha mãe sempre me contou essa história sempre que eu via velhos de orelhas grandes eu tinha medo agora eu conto essa mesma história pro meu neto kkkk

Anônimo disse...

Oi Bom dia , estou fazendo um trabalho de pesquisa sore a vida a a lenda da viuva machado, será que vcs poderiam me ajudar passando informações.
por favor entrar em contato:
luanavanesssa@hotmail.com

Att: Luana Vanessa (estudante da UFRN)
Natal-RN