É cômico que no país da impunidade as algemas se tornem assunto nacional. Mas é praxe. Sempre que um tubarão aparece de argola no pulso, o coro de indignados se levanta. Em fevereiro de 2002, quando Jader Barbalho surgiu na televisão algemado em decorrência de algum desfalque antigo ou recente, ouviu-se o mesmo barulho: as algemas estavam ali para fins de espetáculo e humilhação.
Agora, desde o mês passado, com excelsas figuras do tubaronato na rede, o assunto voltou ao ar. A polícia algemou o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito Celso Pitta e o especulador Naji Nahas, e tudo isso apenas para promover “a espetacularização das prisões”, como definiu Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal. Na semana passada, o STF acabou com a marola e decidiu que as algemas, daqui para a frente, só serão usadas em casos de “evidente perigo de fuga ou agressão”.
O coro dos indignados e a decisão do STF são louváveis. As algemas foram criadas pelos motivos que a Justiça definiu – fuga e agressão. Nos Estados Unidos, país com a maior população carcerária do mundo, em geral, os algemados ficam com os braços às costas. Curiosamente, no Brasil os diretores de cena da polícia têm o hábito de algemar a vítima com os braços à frente. Assim, as câmeras de televisão podem captar, num único close, o rosto e as algemas da vítima. Todos sabem que ser fotografado ou filmado com algemas no pulso é um convite à condenação. No Japão, imagem de preso algemado, se divulgada ou publicada, precisa aparecer sob tarja ou pixels.
Por isso mesmo, está faltando outra providência, para não deixar a impressão de que a revolta das algemas só faz sentido quando cai tubarão na rede. É recorrente a cena do policial que pega no queixo de preso para levantar seu rosto, facilitando o trabalho dos cinegrafistas. Isso pode? Não é espetáculo, humilhação? Com freqüência, os suspeitos anônimos cobrem a cabeça na hora da prisão. Assim, tentam fugir do tratamento degradante de ser expostos à execração pública. Tubarões não fazem isso. Ou acham humilhante se esconder ou sabem que o público os conhece, com ou sem camisa ou toalha na cabeça. Mas também nunca se viu policial levantando a cabeça de banqueiro para encarar a câmera.
Se o que degrada a ralé é permitido, e só se proíbe o que degrada a fidalguia, vamos de volta ao início: é cômico o país da impunidade.
André Petry - Jornalista VEJA
Nenhum comentário:
Postar um comentário